sexta-feira, 28 de abril de 2006

Krónikas duma viagem ao Douro - 2

Na minha mesa, no meu copo 41 - Vallecula; Quinta de Cabriz Colheita Seleccionada 2003, Quinta de Saes 2003





Algures no sopé da Serra da Estrela, entre a Covilhã, Guarda e Manteigas, existe um local paradisíaco onde corre o Zêzere e onde o tempo parece não passar. Chama-se Valhelhas e é daqueles locais onde se consegue ouvir o silêncio, os pássaros, o rio... E existe ali, naquele local recôndito, um restaurante de nome Vallecula, numa casa feita em pedra.
Só de propósito é que alguém lá vai parar, mas vale bem a viagem. Uma sala que alberga umas 30 pessoas, um único funcionário (que por sinal é o dono) a atender os clientes e a dar conselhos. Ele mostra a lista mas explica o que há. Para comilões e em especial amantes de carne, é um maná.
Javali de montaria na carqueja, filete de vitela, borrego grelhado, peixinhos do rio para entrada, queijo fresco de cabra, alheira de caça, arroz doce com leite de cabra, cocktail de frutos secos, as iguarias são de fazer crescer água na boca, do princípio ao fim da refeição. Os comensais renderam-se a um magnífico prato de borrego, grelhado no ponto ainda rosado, tenro de quase se desfazer na boca, e um não menos magnífico javali estufado com molho espesso que parecia sempre pouco no prato. Tudo acompanhado por arroz e umas excelentes migas e não menos excelente esparregado. Nas sobremesas o arroz doce fez sucesso, assim como o cocktail de frutos secos.
Os vinhos listados são exclusivamente da região da Serra da Estrela, fazendo jus à característica de restaurante regional. Dão e Cova da Beira estão bem representados numa lista com cerca de 60 nomes. Infelizmente um dos vinhos pedidos não existia, pelo que optou-se primeiro por um Dão Quinta de Cabriz Colheita Seleccionada, que cumpriu o seu papel dentro daquilo que se esperava: é um vinho fácil de beber, aberto e macio, com uma bela cor rubi característica dos tintos do Dão, e que acompanha bem praticamente todos os pratos de carne. Em seguida pediu-se um Quinta de Saes, que mostrou um sabor algo estranho, resultante de qualquer componente desconhecido que os presentes não conseguiram identificar. Um defeito do vinho, ou uma característica a que não estamos habituados? Fica a dúvida para uma próxima oportunidade, mas a verdade é que, apesar do aroma mais pronunciado e profundo e dum corpo mais cheio, parecendo que era “mais vinho” que o anterior, acabámos por não ficar a ganhar com a troca. A culminar a opípara refeição ainda foi oferecido (só um dos presentes aceitou) um cálice de aguardente, mais um produto da região. Até a água gaseificada era da região.
O dono é de uma simpatia extrema, desdobrando-se em atenções pelas várias mesas da sala, tentando sempre que nada falte a ninguém. Enquanto vai atendendo os nossos pedidos vai conversando com os clientes, criando um ambiente que, embora sossegado, é descontraído e acolhedor e faz-nos esquecer o passar das horas. Neste caso, o grupo entrou às 8 da noite e abandonou quase às 10 e meia, sem grande pressa para sair. Mas ficou a vontade de voltar. A não perder na próxima passagem pela Serra da Estrela.

Kroniketas, enófilo esclarecido

Restaurante: Vallecula
Praça Dr. José de Castro
6300-235 Valhelhas
Telef: 275.487.123
Preço médio por refeição: 20 €
Nota (0 a 5): 5

Vinho: Quinta de Cabriz, Colheita Seleccionada 2003 (T)
Região: Dão
Produtor: Dão Sul, Sociedade Vitivinícola - Quinta de Cabriz
Grau alcoólico: 13%
Preço em feira de vinhos: 2,72 €
Nota (0 a 10): 6,5

Vinho: Quinta de Saes 2003 (T)
Região: Dão
Produtor: Álvaro Castro
Grau alcoólico: 12,5%
Castas: Alfrocheiro, Tinta Roriz, Touriga Nacional
Preço em feira de vinhos: 3,35 €
Nota (0 a 10): 5

domingo, 23 de abril de 2006

Krónikas duma viagem ao Douro - 1

Na minha mesa 40 - Almourol





A pausa da quadra pascal foi aproveitada para uma viagem exploratória ao Douro Superior, com algumas incursões gastronómicas de que iremos dando conta nos próximos dias.
A primeira paragem foi em Tancos, localidade situada à beira-Tejo mais conhecida pelas vastas instalações para instrução militar. Ninguém ali iria de propósito a não ser por indicação expressa para visitar um restaurante. Tem o nome de Almourol, tem janela para o rio e para o castelo de Almourol, algumas centenas de metros para montante.
Visto de fora é uma vivenda com esplanada interior, que funciona como uma espécie de antecâmara do restaurante, onde o visitante é confrontado com algumas referências à gastronomia ribatejana. Franqueada a porta do restaurante propriamente dito, encontramos uma sala não muito grande, onde para além das referências gastronómicas são ainda apresentadas em destaque as referências vinícolas da região. Não deixa de ser curioso, no entanto, que estejam expostos alguns exemplares significativos de vinhos do Alentejo.
Dadas as limitações de espaço, quem for sem marcação deve chegar cedo. Para almoçar é conveniente estar lá até às 13 h, sob pena de não ter mesa. De qualquer ponto da sala vê-se o Tejo a deslizar quase por baixo dos nossos pés, e na margem oposta a localidade de Arrepiado. A recepção é simpática, o ambiente luminoso e arejado.
Ao sentarmo-nos encontramos um pequeno desdobrável na mesa onde é pedido ao cliente que faça a sua apreciação do restaurante sob vários parâmetros: a recepção, o tempo de espera, o asseio e a decoração do espaço, a qualidade e confecção dos produtos consumidos, a relação qualidade/preço, etc. Uma iniciativa interessante que outros deviam seguir.
Escolhidas cuidadosamente as iguarias, vieram uns lombinhos de porco em vinha d’alhos e uma espetada de vitela. Os lombinhos estavam excelentes de sabor e magnificamente tenros, como é raro. Já a espetada estava um pouco seca, embora saborosa. De destacar o facto de, nos acompanhamentos, termos uma travessa de barro com umas excelentes migas com grelos, que ainda sobraram.
No serviço dos vinhos é que aconteceu uma surpresa: pretendia-se beber meia garrafa de um vinho ribatejano, para fazer jus à região onde estávamos. A surpresa é que nos foram anunciados vinhos alentejanos, enquanto do Ribatejo só havia o Capítulo, de Tomar, e o Casal da Coelheira, do Tramagal. Optou-se por este último, que não sendo nada de extraordinário saiu-se satisfatoriamente da função.
Nas sobremesas ficámos extasiados com um doce regional de Tancos, à base de ovos e canela (ilustrado na foto). O preço também não pesa em excesso, ficando-se por cerca de 15 € numa refeição média sem exageros de entradas e digestivos.
No final ainda nos vieram pedir o código postal, para estatísticas internas do restaurante. Curioso foi o facto de o gerente, vendo o guia de restaurantes da Visão em cima da mesa, ter perguntado se lá constava e pedir para fotocopiar a respectiva página...
Para digerir o almoço, nada como um passeio até ao castelo de Almourol, ali a 5 minutos. Pode-se fazer um passeio de barco à volta da ilha e subir até ao castelo. Em suma, são uns momentos bem passados, onde se pode comer bem e depois respirar ar puro enquanto se vê patinhos a nadar.

Kroniketas, enófilo esclarecido

Restaurante: Almourol
Rua Cais de Tancos, 6
Tancos - Vila Nova da Barquinha
Telef: 249.720.100
Preço médio por refeição: 15 €
Nota (0 a 5): 4

quarta-feira, 19 de abril de 2006

Brevemente nas Krónikas Vinícolas

Krónikas duma viagem ao Douro

Kroniketas

quarta-feira, 12 de abril de 2006

No meu copo 39 - Conde d’Ervideira Reserva 2003

Eu já tenho esta impressão há alguns anos: há demasiadas marcas de vinho no Alentejo. Não é só no Alentejo que isso acontece, no Douro também há uma enorme proliferação de marcas e produtores, mas neste caso é do Alentejo que se trata porque fiz uma prova de mais um vinho alentejano que não conhecia.
Há uns 10 anos, os vinhos do Alentejo estavam distribuídos por um conjunto de produtores conhecidos e com nome firmado no mercado, que eram pontos de referência em cada região. Havia a Adega de Alvito, Cuba e Vidigueira na Vidigueira, a que se juntou depois a Sogrape começando a produzir o Vinha do Monte, antes de encetar a aposta recente na Herdade do Peso; havia a Adega Cooperativa de Borba e a Sociedade de Vinhos de Borba, que repartiam entre si os vinhos daquela região; havia a Cooperativa Agrícola de Reguengos de Monsaraz (CARMIM), a Herdade do Esporão e a Casa Agrícola José de Sousa Rosado Fernandes, entretanto adquirida pela José Maria da Fonseca, em Reguengos; havia a Adega Cooperativa e a empresa Roquevale no Redondo; havia a Fundação Eugénio de Almeida na Herdade da Cartuxa em Évora; a Adega Cooperativa de Portalegre e também a José Maria da Fonseca em Portalegre. Depois havia ainda a Cooperativa de Granja-Amareleja, com uma produção menos significativa, assim como uns produtores mais pequenos que compunham o panorama, mas o consumidor orientava-se mais ou menos por estes nomes.
Quando o Alentejo passou à categoria de Denominação de Origem Controlada nas regiões citadas, o número de produtores começou a crescer. A área plantada de vinha cresceu significativamente, começaram a aparecer vinhos integrados naquelas sub-regiões mas com proveniências diferentes (como os de João Portugal Ramos que se começou a afirmar a partir das suas vinhas em Estremoz, pertencente à sub-região de Borba), sendo que chegou a constar que no Alentejo não havia vinha para tanto vinho. Até se dizia que muitas das uvas eram provenientes da região de Setúbal/Palmela.
A verdade é que nos anos mais recentes a área de vinha no Alentejo aumentou para mais do dobro, os novos produtores nasceram quase como cogumelos e as prateleiras dos supermercados foram inundadas de novas marcas de vinhos alentejanos, numa proliferação impossível de acompanhar mesmo pelo consumidor mais atento. Praticamente todos os meses arriscamo-nos a olhar para uma garrafeira e encontrar lá mais uma marca desconhecida. Toda a gente quer produzir o seu vinho no Alentejo e toda a gente se acha capaz de fazer o melhor vinho do Alentejo. Enólogos conhecidos e outros nem tanto, lá vão aparecendo a fazer consultoria numa ou mais empresas alentejanas. Pode-se dizer que quase já não há um canto no Alentejo onde não se faça vinho, e olhem que todo o Alentejo ocupa cerca de 1/3 do território nacional. Ferreira do Alentejo, Serpa, Mértola, Arraiolos, em todo o lado se faz vinho. No site Vinhos do Alentejo, só em tintos, entre vinhos de colheita, reserva, garrafeira e varietais, encontram-se mais de 250 produtos diferentes, contando com as diferentes variedades produzidas na mesma empresa. Só a Herdade do Esporão e a Carmim, para citar dois dos meus produtores preferidos, têm mais de 20 produtos cada. E há muitos outros nomes que até há pouco tempo eu nunca tinha visto, só que nem todos podem ser Esporão, Carmim ou Sogrape...
É um exagero. A questão que eu me colocava muitas vezes era esta, muito simples: será que tanto vinho pode vir trazer algo de realmente novo ao mercado? Aqueles que tenho provado nos últimos anos dizem-me que não. Nas feiras de vinhos vou aproveitando para comprar alguns que não conheço e à medida que os vou provando chego à conclusão que o que vale a pena é continuar a apostar naqueles que já conheço e de que gosto. Os exemplos são inúmeros, até em casos de produtores que se dão ao desplante de lançar um vinho novo no mercado, sem terem nome feito, a 25 euros, como aconteceu com o primeiro vinho de Francisco Nunes Garcia! Estive a ver os meus registos de provas e encontrei cerca de 90 vinhos tintos alentejanos diferentes (com repetições do mesmo vinho para anos diferentes, naturalmente, mas contando apenas os produtos diferentes). Nas nossas sugestões temos 36 tintos alentejanos, e na lista dos indispensáveis na minha garrafeira tenho 21. No meio disto pergunto: se já conheço cerca de 90 e tenho 20 referenciados como obrigatórios para mim próprio, será que me serve de alguma coisa conhecer mais outros 90? Quantos é que eu iria aproveitar daí? E como é possível, em tantas marcas, criar vinhos diferentes dos que já existem?
Já provei um Monte da Ravasqueira, do empresário Manuel Mello, que tinha a pretensão de criar “O” vinho do Alentejo, e não me agradou aquilo que provei; já provei alguns de Cortes de Cima, e nenhum deles me pareceu nada de especial (e se eles os vendem caros!); provei agora um Conde d’Ervideira Reserva de 2003, de que há uns 2 anos já tinha provado uma outra variedade, e não me trouxe nada de novo em relação às dezenas que já conheço. Se é verdade que muitas vezes da quantidade nasce a qualidade, também é um facto que com quantidade excessiva acaba por se cair na vulgaridade. E pelo que tenho visto, a maioria destes novos vinhos acabam por cair nisso mesmo: a vulgaridade, sem acrescentarem nada de verdadeiramente relevante e interessante àqueles que já existem. Muitos deles acabam por ser apenas “mais um”. Foi o que me pareceu este Conde d’Ervideira, uma garrafa de cerca de 10 euros comprada em promoção com a Revista de Vinhos por 5,95 €. Já a experiência anterior não me tinha deixado saudades e este voltou a dar a mesma impressão. É um vinho que, apesar de ostentar no rótulo a menção a uma medalha, me pareceu demasiado vulgar para que se fale dele. Não o achei bom nem mau, não me provocou nenhuma sensação especial. Por isso acho que vou esquecê-lo rapidamente, e lembrar-me apenas de que não vale a pena comprá-lo. Por este preço há muito melhor.

Kroniketas, enófilo esclarecido

Vinho: Conde d’Ervideira Reserva 2003 (T)
Região: Alentejo (Reguengos)
Produtor: Ribeira da Ervideira
Grau alcoólico: 13,5%

Preço: cerca de 10 €
Nota (0 a 10): 5

sexta-feira, 7 de abril de 2006

No meu copo 38 - Mateus Rosé

Eis-nos finalmente chegados à prova do famoso Mateus Rosé, o vinho português mais vendido no estrangeiro e principal receita da Sogrape, a empresa produtora.
Consta que até Saddam Hussein bebia Mateus Rosé, que é um vinho pouco apreciado em Portugal. Talvez por estar a meio caminho entre o branco e o tinto, o rosé é muitas vezes desconsiderado entre nós.
Pessoalmente gosto de beber rosé da mesma forma que branco ou tinto, desde que a ocasião seja adequada. No caso do Mateus, sendo um vinho leve e com pouca graduação alcoólica (apenas 11%), serve tanto como aperitivo, como acompanhante de entradas ou para refeições leves, ficando igualmente muito bem a acompanhar comida italiana ou chinesa. Pode mesmo dizer-se que é um vinho mais versátil que o branco e o tinto, pois não choca com quase nada. E como se bebe fresco ainda pode servir para beber calmamente como refresco numa esplanada.
A última prova foi com um prato de bacalhau no forno com azeite e cebola acompanhado de batatas às rodelas. Como já tive ocasião de referir, não sou grande apreciador de vinho tinto com bacalhau e pensei que me ia arrepender da escolha dum rosé, pois estava mais inclinado para um verde. Mas a verdade é que o Mateus se saiu muito bem da prova, tão bem que ainda foi pedida uma segunda garrafa para apenas duas pessoas. A sua leveza e frescura tornam-no adequado praticamente para qualquer circunstância.
Nós próprios nos esquecemos dos rosés nas nossas sugestões, mas este merece lá estar.

Kroniketas, enófilo esclarecido

Vinho: Mateus (R) - Vinho de mesa sem data de colheita
Região: Trás-os-Montes (sem denominação de origem)
Produtor: Sogrape
Grau alcoólico: 11%

Castas: Baga, Rufete, Tinta Barroca, Touriga Franca
Preço em feira de vinhos: 2,40 €
Nota (0 a 10): 6,5

sábado, 1 de abril de 2006

No meu copo 37 - Montado 2002

Uma boa surpresa. Sabendo que os vinhos alentejanos por princípio não devem ser guardados por muito tempo, e tratando-se dum vinho da gama média-baixa, foi com alguma curiosidade que abri esta garrafa duma colheita quase com 4 anos.
O Montado é produzido pela José Maria da Fonseca a partir de vinhas situadas em duas regiões distintas do Alentejo, Reguengos e Portalegre, com predominância das castas Castelão, Aragonês e Trincadeira.
Pensando que já poderia ter deixado passar tempo de mais, foi com algum espanto que verifiquei estar o vinho em excelente forma. Um bom aroma, ainda jovem, e uma prova extremamente macia, coisa que começa a rarear em muitos vinhos devido a graus alcoólicos exageradamente elevados, num conjunto bastante agradável. Dentro destes preços, diria mesmo que é difícil encontrar melhor, uma vez que se consegue comprar por menos de 3 euros. Uma marca talvez menos conhecida que outras congéneres, como o Monte Velho e o Monsaraz, mas que não lhes fica atrás. Óptima aposta para um consumo frequente a baixo preço.
Já constava das nossas escolhas e justificou a permanência.

Nota: esta garrafa foi aberta para acompanhar o famoso Bife à café, e saiu-se muito bem.

Kroniketas, enófilo esclarecido

Vinho: Montado 2002 (T)
Região: Alentejo (Reguengos e Portalegre)
Produtor: José Maria da Fonseca
Grau alcoólico: 12,5%

Castas: Castelão, Aragonês, Trincadeira
Preço em feira de vinhos: 2,79 €
Nota (0 a 10): 6,5