Comecei a frequentar a feira de vinhos do Pingo Doce em 1993, ano em que me comecei a interessar por aprofundar o meu conhecimento acerca de vinho, depois de ter visto o catálogo do ano anterior. A feira do Pingo Doce, tanto quanto me lembro, foi pioneira em certames do género e para nós, aqui nas Krónikas, foi uma referência durante mais de 10 anos. Os seus catálogos foram crescendo até se tornarem verdadeiros tratados de vinicultura, quase em formato de jornal, onde o consumidor mais leigo podia aprender os segredos do vinho com facilidade.
O Pingo Doce foi ainda pioneiro num conceito da altura, o “Vinho da Feira”, que era comercializado com a marca Pingo Doce e resultava da compra de toda a produção a um determinado produtor, para lançamento exclusivo desse vinho na feira com o rótulo da cadeia de supermercados (a imagem que temos é de 1992) . O passo seguinte foi a criação dos vinhos com a marca Pingo Doce, produzidos em exclusivo para a empresa. A gama foi crescendo até ter marcas em todas as principais regiões vitivinícolas do país, como actualmente (Verdes, Douro, Dão, Bairrada, Estremadura, Ribatejo, Terras do Sado, Alentejo), conseguindo angariar para essa estratégia alguns dos enólogos mais famosos, tais como Anselmo Mendes, Virgílio Loureiro, António Saramago, Nuno Cancela de Abreu, Domingos Soares Franco, João Portugal Ramos, entre outros. A par disto foram ainda estabelecidas parcerias para a produção em exclusivo para o Pingo Doce de algumas marcas de vinho bem conhecidas.
De ano para ano, o catálogo do Pingo Doce era aguardado com alguma ansiedade dado o manancial de informação que fornecia. Foi através do Pingo Doce que adquirimos algumas preciosidades que ainda repousam numa garrafeira, como garrafas de litro e meio de Dão Pipas de 1970 ou Porta dos Cavaleiros de 1975. Mais recentemente a feira começou a incorporar maior variedade de vinhos raros, sob o lema “Raros e preciosos”. Noutros casos era fornecido um roteiro gastronómico ou uma receita tradicional a acompanhar os vinhos apresentados para cada região. Os próprios enólogos que colaboravam com a feira deixavam no catálogo as suas impressões acerca das castas ou das regiões em que trabalhavam.
Foram também surgindo propostas de garrafeira, em que no catálogo eram apresentadas sugestões de diversos tipos de vinho para constituir uma garrafeira abrangendo as várias regiões. Juntamente com os vinhos eram apresentadas sugestões de consumo (para algumas das garrafas adquiridas nessas ocasiões ainda vou consultar os catálogos, que guardo religiosamente, para saber quando e com quê esses vinhos devem ser consumidos). Dum modo geral, a feira do Pingo Doce constituía a nossa bússola, pois era aí que apareciam os vinhos melhores e mais raros, que normalmente não era possível adquirir noutras ocasiões. Mesmo que não fosse a mais barata. Tirámos algumas imagens desses catálogos para ilustrar o seu conteúdo.
Pelo meio ainda houve, em 1998 e 1999, duas feiras do vinho verde, entre Maio e Junho, aproveitando a época para dar a conhecer melhor essa variedade, o que também me pareceu uma iniciativa interessante.
Até que... o ano passado, subitamente, o Pingo Doce resolveu desinvestir na feira e apresentou apenas uma selecção reduzida de vinhos a preços abaixo dos 5 euros. O catálogo emagreceu a olhos vistos, ficando reduzido quase a um folheto sem interesse de maior, e os vinhos apresentados não trouxeram nada de original em relação às restantes feiras de vinhos. Curiosamente, esse papel pareceu ter passado para o Feira Nova, que apresentou sugestões de garrafeira do género que o Pingo Doce costumava fazer.
Este ano a coisa parece ter piorado ainda mais. Neste momento decorre, desde o dia 13 e até 10 de Outubro, um certame sob o lema “Vinho à la caixa”, em que se propõe ao cliente comprar uma caixa de 6 garrafas dum determinado vinho e pagar apenas 5. Não há catálogo, apenas umas tiras publicitárias penduradas do tecto com os preços e a descrição dos vinhos. Mais uma vez em selecção reduzida (são cerca de 20 vinhos), embora desta vez um pouco mais variada (está lá, por exemplo, o Esporão).
Não havendo catálogo, só me restou espreitar para as tiras e registar alguns dados. O Esporão está a 13,90 € a garrafa, o Duas Quintas a 7,99 €. Temos outros baratos e bons, como o Frei João (2,29 €), o Dão Quintas de Saes (2,99 €), o Monte Velho e o Reguengos Reserva (3,99 €), entre vários outros. Vale a pena comprá-los, mas falta saber se vale a pena comprar 5 garrafas para ganhar uma grátis, pelo que esta opção só interessa a quem quiser comprar em quantidade, e também falta saber se estes vinhos não vão aparecer mais baratos nas próximas feiras.
Resta saber se isto é apenas um aperitivo para uma feira de vinhos a sério ou se o grupo Jerónimo Martins resolveu “matar” aquela que foi durante mais duma década a melhor feira de vinhos do país. Estou a falar com conhecimento de causa, pois aquilo que vemos agora no Jumbo, no Continente, no Corte Inglês ou no Carrefour são imitações do que o Pingo Doce já tinha há muito tempo. Se assim for, só me resta dizer “paz à sua alma”, pois a verdadeira feira de vinhos do Pingo Doce acabou. Esta que lá está agora é uma pseudo-feira. Pode ser que a feira a sério passe para o Feira Nova...
Kroniketas, enófilo atento
sábado, 23 de setembro de 2006
Feiras de vinhos (1) - A nova pseudo-feira do Pingo Doce
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