O jogo da selecção foi o pretexto, porque o objectivo primeiro era mesmo apreciar alguns néctares do senhor Baco. Foi com isto em mente que o núcleo duro dos Comensais Dionisíacos, conjugado com o não menos duro Politikos do blog Polis & Etc., se reuniram à mesa na casa de um dos membros eméritos deste grupo gastrónomo-etilista, para enfrentarem umas costeletas de novilho grelhadas, acolitadas por tiras de entremeada no banco dos suplentes.
Para a parte líquida fora escolhida uma vetusta botelha de litro e meio, uma Magnum, de um vinho do Dão feito à moda antiga, quando os imbecis dos yupies e outros urbanóides da treta ainda não tinham imposto a lei do vinho novinho e frutado para palatos normalizados. Rezava no rótulo que fora produzido pelas Caves São João, se chamava Porta dos Cavaleiros Reserva Seleccionada, e que as uvas donde provinha o dito cujo tinham sido colhidas no já distante Verão de 1975!
Foi com um misto de receio e reverência que se procedeu ao ritual do descasque do lacre, do sacar da rolha (que já não estava nos melhores dos seus dias) e da primeira snifadela ao conteúdo. De dentro da garrafa não saíam odores estranhos, apenas aromas normais num vinho, o que nos deu redobradas esperanças de que dali não sairia vinagre. O vinho foi decantado, mas não totalmente, porque a garrafa era magnum e o decantador não, mas a cor que mostrava era retinta e não a cor de tijolo de possível má evolução.
Deitou-se um pouco em cada um dos quatro copos, foi-se cheirando e, embora não fosse exuberante de aroma (e poderia um vinho de mesa com esta idade sê-lo?), a primeira prova deixou quatro maxilares inferiores (vulgo queixos) derrubados sobre a mesa, feitos cair pelo espanto (ficámos portanto de queixo caído)!
Esperávamos um vinho aceitável, por não mostrar sinais de má saúde, e saiu-nos uma coisa espantosa, com um sabor complexo, um corpo elegante mas com estrutura e uma vivacidade que nos remetia para uma colheita bem mais próxima do que a do Verão quente de 1975. E, como era de esperar, a coisa foi melhorando à medida que o vinho jazia nos copos, desdobrando novos odores e fazendo desaparecer o ligeiríssimo sabor a mofo que ainda mantinha no início (não se espante – se o leitor ficasse fechado durante 31 anos numa garrafa garanto-lhe que cheiraria pior!).
Provavelmente este vinho deve ter sido imbebível nos primeiros cinco anos, mas se assim não fosse duvido que se tivesse chegado a estes resultados – às vezes saber esperar é mesmo uma virtude. Rapidamente o que ainda se encontrava na garrafa foi decantado e bebido com o mesmo prazer. É que surpresas agradáveis como esta não são vulgares, como aliás é apanágio das coisas realmente boas.
Quando finalmente se finou, passámos para um Dão Pipas de 1983, para continuarmos nos vinhos velhos, sabendo de antemão que seria difícil igualar o desempenho do primeiro vinho. E realmente também este estava muito bem, sem problemas de evolução, mas não conseguia atingir a elegância nem a complexidade aromática do Porta dos Cavaleiros de 1975.
Assim em jeito de conclusão, apraz-me dizer que, no caso vertente, concordo inteiramente com o glosado provérbio popular: velhos são os trapos!
tuguinho, enófilo embevecido
Vinho: Porta dos Cavaleiros - Reserva Seleccionada 1975 (T) (garrafa Magnum)
Região: Dão
Produtor: Caves São João
Grau alcoólico: 12%
Preço (no Pingo Doce em 1998): 8995$
Nota (0 a 10): 10
terça-feira, 10 de outubro de 2006
No meu copo 60 - Porta dos Cavaleiros, Reserva Seleccionada 1975
Publicada por Krónikas Vinícolas à(s) 00:20
Etiquetas: Caves S Joao, Dao, Tintos
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