Já de alguns anos a esta parte que as margens do Douro na zona do Porto deixaram de ser de faina fluvial e começaram a abrigar outras espécies. A velha Ribeira rejuvenesceu e apareceram restaurantes e bares que trouxeram outras gentes às suas ruas. Um pouco mais tarde, do outro lado do rio assistiu-se a outra pequena revolução: quase toda a zona de cais perto das caves de vinho do Porto foi reconstruída e aí, da ponte de Dom Luís até bem mais à frente, na direcção da foz do rio, surgiu o que podemos apelidar de émulo das docas de Lisboa.
A zona é absolutamente privilegiada e dos restaurantes, cafés, bares e outras lojas que ocupam os pavilhões construídos à beira-rio pode desfrutar-se da melhor vista sobre o Porto, tanto à luz do dia como de noite.
Além dos pavilhões construídos de origem, também as antigas fachadas que dão para o cais se foram reconvertendo e os restaurantes são mais que muitos, incluindo até uma das sortidas do famigerado Tromba Rija fora de Marrazes.
Praticamente ao lado deste existe outro, denominado Adega e Presuntaria Transmontana II, e que foi a evolução natural da adega original, situada numa rua perpendicular, um pouco mais acima na encosta de Gaia. Este número II já era meu conhecido e sempre fora servido a contento mas, na última tentativa para lá nos amesendarmos, lugares era coisa que não havia… Foi então que o patrão Lopes, proprietário do local, nos sugeriu uma visita ao número I, acabadinho de remodelar e por isso ainda pouco conhecido dos frequentadores da zona e portanto com lugares livres que chegavam para o nosso jantar. E assim seguimos o sr. Lopes e cinco minutos depois (a pé) estávamos num simpático espaço que ainda cheirava a novo. Da antiga “tasca” nem rasto, talvez só a configuração do espaço no rés-do-chão. Este piso alberga algumas poucas mesas, um balcão à entrada e a cozinha, e era o espaço original da adega, mas a remodelação também foi ampliação e agora uma escada leva-nos a um 1º piso que acaba por ser a verdadeira sala de jantar do restaurante.
Para começo da contenda é logo servido um Porto branco, doce e fresquinho, que acaba por preparar o estômago para o que vem a seguir. Não sendo um gémeo do tromba rija, também aqui as entradas são importantes no repasto total, e assim que nos sentamos temos logo várias tábuas com diversos enchidos, presunto, diferentes queijos e bom pão. Ficam por lá também uma travessinha com alcaparras (azeitonas britadas) e uns lombos de biqueirão em vinagrete que são uma delícia! Trazem-nos ainda um agradável folhado de farinheira, quentinho, e outras coisinhas boas que se me apagaram da memória, em virtude talvez de algum acontecimento mais etílico.
Escolheu-se para prato principal uma posta de carne à transmontana, que apareceu tenríssima e no ponto, bem temperada com abundância de alho e já trinchada em tiras manuseáveis, acolitada por batatinhas a murro e legumes salteados servidos a sair do lume na própria frigideira.
Depois disto tudo ainda tivemos de arranjar espaço (porque vontade havia) para nos dirigirmos ao estendal de doces e frutas que se anicha numa das pontas da sala. Desde trouxas de ovos a pudim do Abade de Priscos, de leite-creme queimado a sopa dourada, de mousse de chocolate a arroz-doce e a aletria, há de tudo e bem feito. Sim, também há muita fruta para quem quiser.
E que beberagem nos acompanhou nesta prova de fogo, perguntarão? Apesar da qualidade, também a Adega sofre do mal da maioria dos restaurantes portugueses: tentamos “promover” o consumo de bom vinho com preços exorbitantes! A lista está composta, embora não seja muito extensa, e lá consegui encontrar um vinho que não me pareceu demasiado dispendioso e que nos podia garantir qualidade. Escolhi um Quinta dos Aciprestes, Douro DOC, obviamente tinto. Conheci este vinho quando do seu lançamento, talvez há uns cinco anos, quando o promoviam no Jumbo e que, se bem me recordo, me custou 700 dos velhos escudos por botelha. Na altura gostei, embora não me tenha parecido excepcional. E foi baseado nessa recordação que o escolhi, ciente de que mau vinho não era. Pois bem, o bicharoco excedeu as minhas expectativas e revelou-se opaco, quase rubi na cor, e com uma primeira impressão que nos trouxe à memória um vintage ou LBV novos. A boca andava ali à roda dos frutos vermelhos, com um final complexo que levava ao próximo golo com facilidade. Passou a fazer parte da minha lista de compras para as próximas feiras, nos ainda longínquos Setembro e Outubro.
Concluindo, já tinha a Adega e Presuntaria Transmontana como um bom poiso para refeiçoar nas minhas idas ao Porto, mas esta ocasião revelou-se mais saborosa do que as últimas, sabe-se lá porquê.
Os convivas são geralmente presenteados com miniaturas de Vinho do Porto, de produção do proprietário, e agora também com azeite.
Já para lá tínhamos ido de táxi e de táxi voltámos para o hotel. O que é que vocês estavam a pensar?
tuguinho, enófilo esforçado
Restaurante: Adega e Presuntaria Transmontana II
(daqui podem partir para a I, que é mais difícil de encontrar)
Avenida Diogo Leite, N.º 80
4400 - 111, Vila Nova de Gaia
Telef: 223.758.380
Preço médio por refeição: 30 €
Nota (0 a 5): 4
Vinho: Quinta dos Aciprestes 2003 (T)
Região: Douro
Produtor: Real Companhia Velha
Grau alcoólico: 14%
Castas: Touriga Francesa, Tinta Roriz, Tinta Barroca
Preço no restaurante: cerca de 14 €
Nota (0 a 10): 7,5
segunda-feira, 1 de maio de 2006
Na minha mesa, no meu copo 42 - Adega e Presuntaria Transmontana; Quinta dos Aciprestes 2003
Publicada por Krónikas Vinícolas à(s) 01:01
Etiquetas: Douro, Douro Litoral, Real C Velha, Restaurantes, Tinta Barroca, Tinta Roriz, Tintos, Touriga Franca
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