(republicação adaptada; post original de 28 de Julho de 2004, nas Krónikas Tugas)
E agora a questão que, aparentemente, seria a mais fácil, mas pode ser a mais difícil: que vinho é que se bebe em cada circunstância? Mais uma vez, devemos deixar de lado os fundamentalismos. O que é curioso aqui é que os dogmas são muitos e quase sempre estão completamente errados.
1º - Vinho é tinto, branco é refresco e verde é a cor da garrafa. Por acaso é uma questão que me deixa algures a meio caminho entre o sim e o não. Quando falo de vinho, normalmente falo de tinto. Quase todas as referências que fiz até agora a marcas de vinhos eram acerca de tintos. Quando falo de branco ou verde refiro-o expressamente.
Também é verdade que nas compras que faço, compro uma garrafa de vinho branco ou verde por cada 8 ou 9 de tinto. As cartas de vinhos nos restaurantes são esmagadoramente maioritárias em tintos, as feiras de vinhos também. É um facto que em Portugal a produção de vinho tinto é muitíssimo superior à de branco (excepção feita à região de Bucelas que só tem denominação de origem para brancos, mas onde se produzem tintos como Vinho Regional Estremadura). No caso do Alentejo, sou até da opinião de um dos mais conhecidos autores de guias de vinhos, João Paulo Martins, que acha que, pura e simplesmente, não se devia produzir ali vinho branco. Pode parecer estranho mas a verdade é que, contrariamente ao que penso dos tintos, aos brancos alentejanos falta elegância, suavidade, e por muito que tente não consigo encontrar um de que goste realmente. Também acho que o tinto é, por natureza, “mais vinho” que o branco. Há outra estrutura, outros aromas para descobrir que faltam nos brancos. É preciso não esquecer que os tintos são fermentados em contacto com a pele da uva e é daí que extraem a cor e os taninos (que dão ao vinho adstringência e capacidade de envelhecer), o que nos brancos não acontece. À partida, a matéria-prima é mais favorável para a produção de bom vinho tinto do que branco, sendo mais fácil obter um bom produto a partir de uvas tintas do que de uvas brancas - isto é dito por um produtor que também é especialista em análise sensorial, o Prof. Virgílio Loureiro. Mas...
Estaria a ser fundamentalista se dissesse que o vinho branco é apenas refresco. Apesar de ser um confesso fã dos tintos (ou se calhar até por isso mesmo), nos últimos anos tenho tentado alargar o meu leque de conhecimentos nos brancos. É certo que me é mais difícil gostar dum branco que dum tinto, mas há vinhos brancos francamente bons, e para cada um a sua função. Pessoalmente gosto dos brancos leves, suaves e secos. Neste aspecto, acho que os de Bucelas são os melhores, muito equilibrados em todas as suas características. Na região de Setúbal também há bons brancos, como o BSE, o João Pires, o Quinta de Camarate e o Catarina. No Douro também há brancos com alguma leveza, como o Planalto.
Quanto aos verdes, têm características muito próprias e, devo confessar, são aqueles em que sou menos exigente. Se é verdade que os da casta Alvarinho têm normalmente uma estrutura e uma elegância que os distingue dos outros, a facilidade com que se bebem (até como aperitivo) permite-me gostar de quase todos, com destaque para os das casta Loureiro, que permite obter vinhos excelentes. Mas o facto de tanto os brancos como os verdes poderem servir de aperitivo não nos deve deixar com essa visão redutora de que são apenas refrescos. A prova final faz-se sempre com a comida, o que nos leva ao segundo dogma.
2º - Tinto bebe-se com carne, branco com peixe, verde com marisco. Já houve tempo em que este pensamento fazia lei, mas na realidade não é tanto assim. Como regra geral funciona e nada impede que se siga esse princípio, mas devemos ter alguma abertura para as excepções, que não são assim tão poucas. Há pratos de carne que não ficam nada mal com vinho branco e, curiosamente, algumas carnes até são difíceis de ligar com vinho tinto. Frango é uma delas. Muitas vezes um vinho tinto pode ser demasiado pesado para a carne de frango. Do mesmo modo, certos pratos de peixe casam perfeitamente com vinho tinto, como as sardinhas assadas (aqui até se pode misturar Seven-up ou optar pela sangria, mas nesse caso não vale a pena escolher um bom vinho...), alguns peixes assados no forno ou certos pratos mais pesados de bacalhau (embora eu prefira um branco mais leve ou um verde, tal como já tive ocasião de referir).
De qualquer modo, o que é importante é não chocar os sabores e equilibrar o “peso” do vinho e do prato: nem o vinho deve abafar o sabor da comida, nem a comida deve anular o sabor e o aroma do vinho. Por isso, vinhos mais leves para entradas e comidas delicadas e vinhos mais cheios e pesados para pratos substanciais. É impensável servir um vinho branco com feijoada ou um tinto com peixe grelhado e menos ainda com marisco. É que há sabores que não ligam mesmo. Mas com muitas carnes um vinho branco encorpado não vai nada mal, ao contrário do que se pensa, e no verão até se torna agradável. Em todo o caso, choca-me menos, dum modo geral, acompanhar carne com brancos do que peixe com tintos.
Quanto aos verdes, já disse que gosto deles com bacalhau mas o consumo mais habitual é com mariscos. São vinhos geralmente leves, aromáticos e frescos na boca por causa da sua acidez. Um branco leve, como os de Bucelas, muitas vezes também servirá para o mesmo efeito.
Quando falamos de verdes costumamos esquecer o verde tinto, que é praticamente desconhecido fora da região onde se produz. Bebe-se fresco, mas é agressivo e por isso difícil de gostar por quem não está habituado a bebê-lo. No entanto adequa-se bem a pratos pesados como rojões, sarrabulho ou cabidela (para quem gosta deles).
Ainda há os rosés, que são feitos com uvas tintas mas estão menos tempo a fermentar em contacto com a pele das uvas. Devido à sua leveza e frescura também se aplicam em muitas ocasiões em alternativa aos brancos, mas eu gosto deles é com comida chinesa ou italiana (e ainda está por esclarecer a questão do rosé versus clarete).
Para finalizar temos os espumantes, que pretendem imitar o Champanhe e que não servem só para festas. São muito recomendados, por exemplo, para acompanhar leitão à Bairrada, aconselhando-se aqui que seja espumante bruto. Os mais doces, por serem doces só ficam bem com... doces. E esqueçam os Asti’s italianos: esses parecem mais Seven-up com álcool do que propriamente vinho.
Quando se fala de entradas, queijos ou enchidos as hipóteses são várias, porque dependendo das características de cada comida pode-se beber branco, tinto, rosé ou espumante. Num curso de prova que frequentei com o Prof. Virgílio Loureiro fiz uma prova cega em que nos deram rosé para acompanhar tâmaras enroladas em bacon. Toda a gente achou que ligava na perfeição. Por isso, não há nada como ir experimentando para tirar conclusões.
3º - Branco e verde bebem-se frescos e tinto bebe-se à temperatura ambiente. Esta fica para a próxima, para concluir.
Kroniketas, enófilo esclarecido
quinta-feira, 9 de março de 2006
Reflexões à volta da garrafa (4) - Vinho é tinto, branco é refresco e verde é a cor da garrafa?
Publicada por Krónikas Vinícolas à(s) 02:11
Etiquetas: Artigos, Servico vinhos
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